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Quem me conhece bem sabe que eu não gosto de escrever… Eu não sei escrever bonito, ou com palavras mais formais e em geral a minha forma de escrever sempre foi como se estivesse conversando com alguém…
 Mas, desde o feriado passado venho querendo escrever sobre a nossa subida pra Região Serrana mais ou menos 1 semana depois das chuvas que causaram tantas mortes, tantas perdas…

Sempre acredito que cada escalador tem um local que é a sua ” menina dos olhos “, é aquela montanha que ele mais gosta de ir, é aquela via que ele mais repete, ou uma cidade onde as escaladas mais o atraem, enfim, cada pessoa tem as suas preferências e a minha menina dos olhos sempre foi Taquaril.

De 3 ou 4 anos pra cá conheci e comecei a ir pra Taquaril porque adoro a energia do Abrigo do Elefante, adoro ficar horas de papo com a Ana e o Ralf, adoro estar num lugar que tem todos os tipos de escaladas, desde vias fáceis, dificeis, vias enormes, big wall, falésias, boulders, enfim, um lugar que agrada todo mundo.

Quando as chuvas aconteceram na semana anterior, nas listas de escalada as pessoas acabaram combinando com amigos e outros montanhistas todos os tipos de ajuda… Teresópolis, Salinas e Lumiar estavam recebendo a atenção e carinho de vários escaladores e na mesma hora eu pensava o que eu podia fazer pra ajudar. Falando com a Ana no telefone, achamos que o melhor seria a gente ir de carro andando pelas cidades vizinhas e vendo o que era necessario em cada lugar…

E parece que quando a gente quer fazer uma coisa assim, as coisas vão se encaixando… eu saria de casa às 10 da manhã no feriado do dia 20, iria para a casa da minha mãe buscar meu carro e de la iria comprar toalhas e roupas 
de cama pra levar. Quando cheguei no prédio da minha mãe, vi pilhas e pilhas de doações… Na mesma hora me veio a luz.. vou pedir pra eles me deixarem levar o maximo que eu conseguir levar dali, e guardo o dinheiro que tinha para outras coisas que depois soubéssemos que era mais / muito necessário. 
E assim foi, Sub-síndica, Beth, na hora que soube que eu era montanhista me autorizou levar as coisas do condomínio, me ajudou a carregar o carro e parti com ele lotado de água, comida, roupas, material de limpeza e etc..

Levei 3 horas de viagem numa viagem que não leva mais de 1h:30, de tanto engarrafamento de gente com carros e caminhoes lotados de doação… só chegamos la por volta das 14 horas e nem bem chegamos, deixamos nossas coisas no abrigo e partimos com tudo em 2 carros – eu, Rosane e Gerardo em um e Ana, Ralf e Cleanto no outro. Dali como o Ralf, Cleanto e Gerardo no dia anterior ja tinham ido a Areal, resolvemos ir além, e acabamos viajando até poço fundo, que pra quem não conhece, fica a mais ou menos 1h:30 do abrigo… enquanto íamos dirigindo, passávamos por estradas e cidades acabadas… mas continuamos pois sabíamos que em Poço Fundo é que não tinha mais estrada. La perto, ja começamos a parar nas casas que tinham à beira do rio, e cada casa que parávamos as pessoas vinham conversar, falar o que aconteceu, dizer o que precisavam e assim fomos entregando as coisas… O mais incrível é que uma pessoa que pedia vela, só aceitava e queria vela, se você oferecesse roupa ou comida, ela não queria, falava que ja tinha recebido e que só queria a vela… acho que as pessoas tinham medo de pegar uma coisa que não precisavam com mais urgência e deixar alguém que precisasse sem… Foi o tempo todo assim…

No ponto em que a estrada tinha sido praticamente destruida, estacionamos o carro, enchemos as nossas mochilas cargueiras com um pouco de cada coisa e fomos andando nas casas que encontrávamos, entregando o que podíamos… muitos deles queriam leite e comida de bebê, fraldas e protudos de limpeza… ninguém queria roupa…
Depois, uma moça que perdeu a casa nos falou: “Se não temos nem pra onde ir, onde vamos guardar tanta roupa???” E é verdade… talvez as roupas sejam pra uma etapa futura, quando aquelas pessoas voltarem a ter suas casas e voltarem a reconstruir suas vidas…

Quando chegamos à última casa daquele lado da estrada começamos a voltar, e de lá partimos de novo com os carros, voltando pra Taquaril e parando nas casas que na ida tínhamos passado direto… Em Águas Claras paramos em duas igrejas pra doar as roupas mas eles também não estavam precisando, ficaram apenas com água e comida…

Numa das casas que tinham ficado intactas, paramos e começamos a conversar com uma família, acho que ficamos la por mais de 40 minutos ouvindo eles contarem desde a hora que a chuva começou.

Nesta casa uma das senhoras pediu pra gente apenas sabonete pra tomar um banho de verdade – fizemos uma sacola com produtos de limpeza e higiene pessoais pra ela e a familia… Ela chorava, abraçava a gente e falava que tinha sido Deus que tinha colocado a gente ali… Você ouvir isso por estar dando um sabonete, uma pasta de dente… é de cortar o coração…

Depois outra, antes da gente ir embora perguntou meu nome, eu falei, ai ela disse: “Olha, Adriana, vou rezar pra você o resto da minha vida “… sabe o que é você ouvir isso, quando você acha que o que ta fazendo é tão pouco perto do 
tanto que aquelas pessoas vão precisar… elas precisam de conversa, de alguém pra ouvir, de carinho e muito mais do que tudo que for material…. e fizeram a gente prometer que vai voltar algum dia pra tomar um café… pode ter certeza que eu vou voltar la pra tomar um café…

E assim fomos embora, ja noite na estrada, mudos e calados por um bom tempo, como se todas aquelas coisas do dia fizessem a gente nao parar de pensar em quanto tantas pessoas ainda podem fazer…

E agora???????? Agora é esperar pela etapa 2 que pode ser material de construção, ou pela etapa 3 que podem ser utensílios domésticos, e pela 4, quem sabe serão as roupas dessa vez… mas com certeza, ainda tem muito
o que se fazer…

Adriana Mello.